27 de abril de 2006

Como devem ter reparado, sempre que o comportamento dos deputados merece reparo logo surge alguém disposto a lembrar que as críticas aos parlamentares se prestam a demagogia, até porque é moda dizer mal dos políticos. Têm razões para o fazer, alguns mais do que outros, mas a verdade é que quem os critica também as tem. Aliás, nem são precisas razões para criticar o comportamento dos deputados. Os factos, como os registados ontem (os deputados demonstraram não saber a quem justificar as faltas, dando origem a uma enorme barafunda), falam por si. Mas há mais: Macário Correia escreveu hoje, no Público, que «é por de mais evidente que metade dos deputados não fazem nada de útil para o país». E acrescentou: «durante as semanas ditas de "trabalho parlamentar", metade [dos deputados] vagueiam pelos corredores, tratando de intrigas ou de assuntos particulares, sem qualquer interesse público». Se bem se lembram, Macário Correia foi deputado durante seis anos. Sabe, portanto, do que fala.

25 de abril de 2006

A revista Sábado defendeu, em editorial, que os deputados não deveriam ter faltas. Porque os deputados ocupam «um cargo de demasiada responsabilidade para que lhes seja exigido que piquem o ponto»; porque «os deputados devem estar sempre disponíveis»; e porque «sujeitar os deputados à humilhação de picarem o ponto» e de «verem controladas as horas de entrada e de saída é ajudar a desfazer a sua credibilidade». Ora, eu acho a ideia excelente no plano dos princípios. Só que, na prática, e como os deputados já demonstraram inúmeras vezes, o «relógio de ponto» é bem capaz de ser o menor dos males. É triste, mas é assim.
O 25 de Abril significou o fim da ditadura, de 48 anos de ditadura, e eu sou contra todas as ditaduras. O resto — e o resto inclui tudo o que não correu bem, que não foi pouco — é importante, mas não tão importante como o fim de uma ditadura.

24 de abril de 2006

«When this country [Malawi] became independent it had very few institutions. It still doesn’t have many. The donors aren’t contributing to development. They maintain the status quo. Politicians love that, because they hate change. The tyrants love aid. Aid helps them stay in power and contributes to underdevelopment. It’s not social or cultural and it certainly isn’t economic. Aid is one of the main reasons for underdevelopment in Africa.» Dr. Jonathan Banda, citado por Paul Theroux em Dark Star Safari
Embora afirmando desconhecer o conteúdo do discurso que Cavaco Silva vai proferir nas comemorações do 25 de Abril, Manuel Alegre foi dizendo que «será um péssimo começo» caso o Presidente resolva «puxar as orelhas aos deputados». Infelizmente não explicou porquê, talvez porque não seja fácil explicar porquê. Mas já não me parece difícil explicar a atitude do PR caso ele entenda dar um «puxão de orelhas» aos deputados. Aliás, tirando Manuel Alegre, quem não entenderá?

20 de abril de 2006

«De norte a sul do país, é notória a onda crescente de entusiasmo suscitada pelo MIC de Manuel Alegre», escreveu Luís Costa no Público de hoje. E prosseguiu: «só os mais distraídos ou os menos lúcidos poderão ignorar a dinâmica imparável do MIC». Significa isto que eu ando distraído e tenho um défice de lucidez, pois ainda não dei pela onda de entusiasmo ou pela «dinâmica imparável». Aliás, ainda não dei pela existência do MIC, mas deve ser distracção minha. Mas há mais, muitíssimo mais. Segundo o cavalheiro, a ausência de Manuel Alegre nas votações da semana passada «só poderá ser criticada por manifesto populismo e pelos adeptos da cultura antiparlamentar», pois «Alegre teve o cuidado de "picar o ponto"» antes de se ausentar — «e só o esforço de ter passado pelo Parlamento na antevéspera de Sexta-Feira Santa já deveria ser por todos aclamado». Comovente, não é?
Um colóquio sobre a designação «Ética e Política» na Assembleia da República (é favor não sorrir), a proposta do PSD para a criação de um conselho de ética e conduta que fiscalize o comportamento e que possa propor a perda de mandato dos deputados (é favor não sorrir) e mais não sei quantas propostas de alteração ao regimento de modo a controlar as faltas dos ditos relegaram para secundaríssimo plano a «ponte» da semana passada. Não digo que tudo isto não seja importante e que estejamos perante manobras destinadas a varrer para debaixo do tapete as faltas dos senhores deputados, mas a verdade é que só se vê quem queira mudar a lei e ninguém que reclame o seu cumprimento. Tirando os cinco deputados faltosos do CDS, que justificaram as suas faltas e tornaram públicas as suas razões, não se conhecem as justificações dos restantes deputados faltosos. Ora, eu julgo que o país tem o direito de saber.

19 de abril de 2006

A temática abordada pel’O Código Da Vinci presta-se a controvérsias e êxitos de vendas, mas há sempre alguém disposto a dar uma ajudinha no marketing. Depois de pedir alterações ao filme que aí vem, a pretexto de que o casamento de Jesus e Maria contraria a versão da Igreja Católica e ofende os cristãos, a Opus Day resolveu, agora, pedir que a película seja considerada ficção. E porquê? Confesso que não percebi. Que importância terá o facto de o filme ser considerado ficção ou outra coisa qualquer? Um mistério. O que se percebe é que atitudes destas são claramente contraproducentes, e custa a crer que os inúmeros exemplos conhecidos não tenham servido para nada. Além de que a pouca simpatia que a Opus Day goza fora da Igreja Católica (e não só fora da Igreja Católica) é bem capaz de reforçar o contrário do que pretende. Aliás, não me surpreenderia que os responsáveis pelo filme mandassem imprimir nos cartazes do filme uma frase do género: «O filme que a Opus Day queria censurar». Para o caso de ainda não terem pensado nisso, prescindo, desde já, dos direitos de autor.

17 de abril de 2006

Faz hoje cinco anos que deixei de fumar. Não, não sou fundamentalista anti-tabaco, como grande parte dos ex-fumadores, e também não me revejo na onda politicamente correcta que pretende proibir o fumo em restaurantes e afins, a pretexto de males por demonstrar. Nem, sequer, me sinto no direito de aconselhar outros a largar o vício, porque conselhos é coisa que não gosto de dar (mesmo a quem mos pede) e cada um sabe de si. Sei, apenas, como é difícil, e estou convencido de que apenas sabe do que falo quem passou pela experiência. Deixar de fumar não é, apenas, largar o tabaco. Deixar de fumar é abandonar um estilo de vida, de certo modo morrer e nascer de novo. Um pouco dramático, mas é assim.

13 de abril de 2006

Cento e tal deputados resolveram ausentar-se da Assembleia da República e deixar uma série de leis por aprovar devido a falta de quórum. Mais: a grande maioria assinou o livro de presenças no início da sessão e, depois, foi-se embora. O Estatuto dos Deputados considera motivos justificados para se faltar a doença, o casamento, a maternidade e a paternidade, o luto, a missão ou trabalho parlamentar e o trabalho político. Adivinhem lá qual vai ser a principal justificação dos deputados faltosos. Eu sei, eu sei. Isto é um caso que se presta a demagogia, mas os factos são o que são.

12 de abril de 2006

O julgamento de Avelino Ferreira Torres, que terminou com a aplicação de uma pena de dois anos e três meses de prisão ao ex-presidente da Câmara de Marco de Canaveses, corre o risco de ser anulado devido a falhas processuais. Pior: o caso corre sérios riscos de prescrever. Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou «lícitos» e «aceitáveis» os castigos corporais aplicados por uma responsável de um lar de crianças deficientes, castigos que incluíram palmadas e bofetadas em menores, encarceramentos à chave em despensas com a luz apagada, e amarrar à cama quem «acordasse os restantes utentes do Lar» ou perturbasse o descanso matinal da senhora. Como se vê com mais estes dois exemplos, a Justiça portuguesa continua a ser um caso consensual: ninguém acredita nela.
O Hospital Padre Américo tornou-se a primeira unidade hospitalar do país a ter um canal interno de televisão onde se pode assistir a conselhos de saúde, saber quais são as farmácias de serviço e outras informações do género. Parece que o principal objectivo é sensibilizar os utentes para as questões da saúde e do funcionamento daquela unidade hospitalar, e que a coisa é um sucesso. Acontece que os responsáveis disseram que o público-alvo do projecto são os utentes internados ou em circulação, e isso colocou-me uma dúvida: quererão os utentes internados num hospital assistir a um canal de televisão que a toda a hora lhes lembre as razões por que ali se encontram? Com certeza que, à vista desarmada, a ideia parece bem-intencionada, mas é bem capaz de ser contraproducente nos objectivos que pretende atingir.

10 de abril de 2006

A França perdeu uma oportunidade de fazer alguma coisa pelos seus jovens desempregados. Curiosamente, ou talvez não, por culpa da esquerda e dos sindicatos, que gostam de se armar em campeões da defesa dos trabalhadores. O Contrato de Primeiro Emprego proposto pelo Governo de Dominique de Villepin podia ter os seus defeitos, mas iria permitir que alguns jovens alcançassem o primeiro emprego. Assim, chumbado o Contrato, tudo ficou como dantes. Isto é, o desemprego dos jovens vai ficar como estava. Os sindicatos e a esquerda já saudaram a decisão do Governo como «uma grande vitória». Uma grande vitória dos sindicatos e da esquerda, é claro, que dos jovens desempregados não se vê como.

7 de abril de 2006

Os cartoons sobre o profeta Maomé publicados num obscuro jornal dinamarquês constituíram uma blasfémia e deram origem a reacções «compreensíveis» do Islão. Um atentado no interior de uma mesquita de Bagdad, que provocou 74 mortos e 140 feridos (até ver), não suscita qualquer reacção do Islão. Como se vê, os factos falam por si.

6 de abril de 2006

Li meia dúzia de páginas do livro The Force of Reason e não gostei. Não gostei porque não simpatizo com auto-elogios e gabarolices — além de, no caso, me parecerem perfeitamente escusados. Mas isso não me impede de concordar com Oriana Fallaci em quase tudo o que ela diz sobre o Islão.
Contrariamente ao que me pareceu a generalidade das opiniões, não achei nada de especial de Sábado. Pelo contrário, achei Amesterdão magnífico. Quer dizer, magnífico não é bem o termo, mas excelente já não me parece bem. Espero que o meu terceiro McEwan (A Criança no Tempo, um livro que me veio parar às mãos integrado na Colecção Mil Folhas) não me decepcione.

4 de abril de 2006

Eu sei que gostos não se discutem, mas a capa do próximo livro de Agustina é horrível.
Compreende-se o mea culpa e a desilusão de quem apoiou a invasão do Iraque, coisa que, em parte, subscrevo. Mas dizer-se que Saddam Hussein não tinha armas de destruição maciça, já me parece demais. Não havia, antes da invasão, provas (ou evidências credíveis) de que o ditador iraquiano possuía armas de destruição maciça? Muito bem. E que provas (ou evidências credíveis) passou a haver que Saddam Hussein não as tinha? Será que o facto de não terem aparecido significa, por si só, que não as havia? Evidentemente que o não aparecimento das armas de destruição maciça pode significar que não existiam, mas isso é uma possibilidade. E, se falamos de possibilidades, temos que falar doutras. Por exemplo, as armas podem ter sido destruídas nos primeiros dias da invasão, passado a fronteira e estar nas mãos sabe-se lá de quem, estar escondidas sabe-se lá onde. Convenhamos que são possibilidades tão credíveis como a que aponta para a inexistência de armas de destruição maciça, por mais que se tentem desvalorizar. Mas são possibilidades, repito. Não factos, como muitos pretendem. Daí que ache lamentável que os «arrependidos» se rendam tão facilmente à ditadura das suposições e ao politicamente correcto, embora vivamos num tempo em que até os jornalistas têm dificuldade em separar os factos das opiniões.

3 de abril de 2006

O que terá dado a Manuel Alegre para comparar a actual situação política a «um período parecido com os últimos tempos da monarquia, ao pior da União Nacional dos tempos do salazarismo»?
Face à questão dos emigrantes portugueses do Canadá, Joana Amaral Dias acha que o Governo português «deveria ter evitado que a situação chegasse a este ponto» e «reforçar o auxílio e apoio à legalização dos emigrantes». Ou seja, Joana Amaral Dias não tem a mais pequena ideia do que está a falar.