29 de fevereiro de 2016

MISTURAR ALHOS COM BUGALHOS (2). Outra coisa sobre o cartaz do Bloco, sobre o qual não tenho opinião, e sendo agnóstico não me afecta: repararam que Viana se refere aos energúmenos que matam em nome de uma certa ideia de Deus como «radicais islâmicos»? Assim mesmo, entre aspas, duvidando que os homicidas são mesmo radicais islâmicos?
MISTURAR ALHOS COM BUGALHOS (1). Luís Miguel Viana comparou os protestos dos católicos contra um cartaz do Bloco de Esquerda aos protestos dos radicais islâmicos sempre que estes vêem ofendida a sua religião. «Ou bem que se pode brincar com a religião e com os seus protagonistas - sejam eles do islão, católicos ou outros - ou, então, não há qualquer legitimidade para andar a distinguir entre "radicais islâmicos" e "os sentimentos religiosos do povo português"», escreveu no DN. E pergunta o consultor de comunicação: «(...) se um jornal deve poder publicar um desenho do profeta Maomé em pose de sodomização, e se um artista deve poder publicar um Manifesto Anti-Dantas, porque é que um cartaz político não há de poder ofender sentimentos religiosos?» Como é evidente, o problema não está em brincar, irritar, provocar, ofender, o que seja. O problema está na forma como se exprime quem não gosta. Os radicais islâmicos reagem matando, os católicos protestando nos media. É, convenhamos, uma diferença e tanto. Comparar a indignação de uns com a indignação de outros, no caso radicais islâmicos e católicos, é muito mais que ignorância ou má-fé: é desonestidade intelectual.

25 de fevereiro de 2016

CLAQUES (2). Reza a lenda que «Com Fafe Ninguém Fanfe». Há, inclusive, um monumento a eternizá-la, mas como todas as lendas, também nesta não se sabe bem onde termina a verdade e começa a ficção — ou o inverso. Para não variar, existem várias versões, mas com um ponto em comum: a existência de um varapau, que alguns dizem de marmeleiro. Foi disto que me lembrei quando li que Fernando Madureira, chefe dos Super Dragões, foi a Fafe importunar um cidadão que cometeu o crime de ser pai do «gatuno» (palavreado dele ou de quem o acompanhou) que assinalou não sei que penálti que não lhe convinha. De facto, são tantos os episódios protagonizados por este sujeito sem que as autoridades tenham feito o que deviam que começo a pensar se não seria mais eficaz aplicar a justiça de Fafe em casos destes. Mas há mais notícias frescas sobre o sujeito, por alcunha o Macaco: segundo o Jornal de Notícias, Fernando Madureira e mais sete beneméritos dos Super Dragões integram uma equipa de futebol que tem por hábito espancar os adversários quando as coisas não correm bem, a ponto de já haver equipas que se recusam a jogar contra eles. Uma pesquisa no Google dá conta de incontáveis «proezas» de que Madureira é protagonista, de que o episódio de Andorra (onde contribuiu para furtar tudo o que lhe apareceu pela frente e lançar o caos na cidade), de que ainda teve a desfaçatez de se gabar num livro, demonstra bem a natureza da criatura. Como há anos que anda a fazer desacatos e a ameaçar meio mundo sem que nada lhe suceda, impõe-se a pergunta: quem o protege e porquê? As autoridades têm medo dele? Por que razão, já agora, gozam as claques da bola de especial protecção das autoridades policiais, convém lembrar que pagas pelos contribuintes, e de tanta benevolência? Ou há aqui qualquer coisa que me escapa, ou isto é impróprio de um estado direito.

19 de fevereiro de 2016

REMÉDIOS QUE MATAM. A seguir com muita atenção o braço de ferro entre as polícias federais americanas e a Apple. As primeiras conseguiram que uma juíza obrigasse a Apple a criar um sistema operativo específico que lhe permita aceder ao telemóvel de um terrorista. A segunda respondeu que não irá acatar a decisão, alegando que, a fazê-lo, abrirá um precedente gravíssimo e de consequências terríveis (a Apple teria que criar uma espécie de chave mestra capaz de «abrir as portas» a toda a espécie de malfeitorias). Conscientes, ou não, das consequências que tal exigência traria, para resolverem um caso específico as autoridades americanas criariam, assim, um gigantesco problema de segurança à escala global, um autêntico monstro. Sim, é disso que se trata caso a Apple ceda ao que lhe exigem — o que, até ver, não irá acontecer. Até que haja sinais em contrário, não estou seguro que o senso comum acabe por prevalecer. As polícias, mesmo as mais bem preparadas, continuam, nesta matéria, perigosamente obsoletas, como tem sido amplamente demonstrado — e desconfio que os tribunais não estarão melhor. Ou então, como dirão os entusiastas das teorias da conspiração (de que não sou adepto), estarão de má-fé, coisa que honestamente não creio.

11 de fevereiro de 2016

CARREIRA E OS EMIGRANTES. Parece que Tony Carreira é muito popular nas comunidades emigrantes, que lhes compram os discos e esgotam os concertos. Assim sendo, não se pode dizer mal da sua música nem rebater as suas opiniões — como fez o incontinente ministro Santos Silva, que no calor do caso do penduricalho que o Governo francês resolveu atribuir ao cançonetista afirmou que um dos sonhos «de sociólogo era assistir a um concerto de Tony Carreira». Pelo contrário: o Governo português deve apoiar o artista, porque sendo ele popular entre os emigrantes, não o fazer é desconsiderar esses mesmos emigrantes — e reza a lenda que os emigrantes merecem todo o respeito e um par de botas. E quem assim não pensar, fogueira com ele. Ora, isto causa-me comichão na moleirinha. Não se pode gozar com os emigrantes? Dizer que a música do sujeito não me interessa (para não ir mais longe) é uma blasfémia? Era só o que faltava. Eu, que sou emigrante, devo dizer, antes de mais, que gostava que me tratassem como toda a gente (leia-se emigrante e não emigrante). Simplificando, gostava que me tratassem sem condescendência, nem paternalismo. Sem «coitadismos», nem hipocrisia. Dito isto, Tony Carreira pode protestar contra o que muito bem entender, repetir até à exaustão que o país não o merece e só será reconhecido depois de morto (onde é que eu já ouvi isto?) que não me incomoda. Infelizmente, da música que vai derramando por aí, que involuntariamente vou ouvindo, já não posso dizer o mesmo.

5 de fevereiro de 2016

MUÇULMANOS. Eu sei que a pergunta é cruel, eventualmente injusta, mas como distinguir um muçulmano bom de um muçulmano mau? Percebo que os muçulmanos moderados não apreciem ser vistos com desconfiança e eventualmente marginalizados, mas há uma coisa que nunca percebi: por que nunca se vê uma manifestação de muçulmanos contra as práticas dos seus irmãos radicais sempre que elas sucedem (e sucedem demasiadas vezes), demarcando-se e condenando tais práticas? Que eu saiba, e não ando propriamente distraído, só houve uma tentativa nesse sentido — em França, logo a seguir à canificina de Novembro passado, que acabou por não ser autorizada por razões de segurança. Em vez de se lamentarem, quero acreditar que com razão, os muçulmanos precisam de fazer muito mais para dissipar a suspeita que paira sobre eles. Para bem deles, e para bem de todos.

1 de fevereiro de 2016

PARA SEMPRE. Graças a um ficheiro onde registo estas coisas, de Vergílio Ferreira li os cinco primeiros volumes de Conta-Corrente. Fora isso, há anos que repousam nas estantes Pensar, Estrela Polar, Nítido Nulo, Em Nome da Terra, Manhã Submersa, Aparição, Para Sempre, e Até ao Fim. Quase todos começados, alguns bastante adiantados, mas nenhum concluído. Como leio vários ao mesmo tempo, são incontáveis os livros em lista de espera, alguns talvez para sempre. Agora, que se anuncia a reedição da obra completa, a propósito do centenário do seu nascimento, já sei que não vou resistir a algumas que se anunciam em e-book — desde logo os restantes quatro volumes de Conta-Corrente, toda a obra ensaística, provavelmente um ou outro livro que já tenho em papel mas que, por razões práticas, prefiro em e-book. Logo a seguir a Fernando Pessoa, Eça de Queirós e Cardoso Pires, Vergílio Ferreira foi dos escritores portugueses que mais me marcou, apesar de só ter lido, repito, metade dos diários. É com satisfação que leio o que sobre ele se anuncia para este ano, tanto mais que, duas décadas após a sua morte, me parece injustamente esquecido.